Eu olhava-a ininterruptamente pela janela,
ela olhava-me com o seu olhar esquivo e profundo,
ela encarnava todos os olhares de todas as paixões que eu tivera.
Mexia na água do rio e via-me no reflexo e tocava-me,
tocava-me tão suavemente que nem a água mexia.
Eu não fechava os olhos nem por um segundo,
não ousava perder aquela imagem,
não queria me desprender de algo tão momentâneo.
Queria gritar, mas não conseguia,
queria trespassar o vidro, mas não conseguia,
queria correr, mas estava imóvel,
queria voar, mas o anjo era ela.
Aquela imagem, aquele cheiro, aquele toque...
Observava-a sem verter uma única lágrima,
ansiava tocar-lhe, como continuar a vê-la.
Ela era a tal, ela era o sonho tornado real,
ela era a musa das minhas palavras,
era a ninfa que me enlouquecia,
era a...
O meu reflexo na água parou, desapareceu...
Ela levantou a cabeça, levantou-se e olhou-me.
As folhas caÃram, uma leve brisa apareceu e...
Ela caminhou na minha direção,
as 4 estações passaram e eu colado ao vidro,
o meu olhar hibernara, as minhas lágrimas secaram.
Guardei o caminhar dela para sempre,
o seu leve sorriso, o seu cabelo selvagem e...
O seu olhar profundo, que me rasgava de alto a baixo,
que me fazia deixar de sentir o tempo,
o tempo que não contava mais, pois...
A vida começava ali,
ali mesmo com o toque da sua mão,
na minha mão, no vidro.
Colados, frente a frente,
separados por um único vidro,
éramos um só,
éramos calma, um sorriso, um olhar...
O vidro escureceu e...
O meu sorriso gelou,
a minha garganta secou
e ela...
Ela nunca chegou
e eu...
e eu fui, fui... fui...
23/02/2020
